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Câmara aprova projetos que proíbem eventos e censuram publicações sobre maconha

Matérias polêmicas de autoria do prefeito Rodrigo Manga são inconstitucionais e devem ser derrubadas pela Justiça

Fábio Jammal Makhoul e Maíra Fernandes (Porque)

Antes da votação, o prefeito esteve na Câmara e agradeceu a “harmonia” entre o Legislativo e o Executivo. Foto: Divulgação/Câmara de Sorocaba

Mesmo sendo inconstitucionais, a Câmara de Sorocaba aprovou, nesta terça-feira (7), dois projetos polêmicos de autoria do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) que proíbem a Marcha da Maconha e a venda de livros, revistas e artigos que façam, na visão do chefe do Executivo, “apologia ao uso de substâncias ilícitas”.

Os dois projetos não definem o que é apologia, mas num vídeo divulgado horas antes, em suas redes sociais, o prefeito cita, entre os exemplos de “apologia”, jornais e revistas que tratem da “descriminalização das drogas”, o que é um debate lícito, constitucional e democrático. A realização da Marcha da Maconha também já foi liberada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que a considerou constitucional.

Apesar da polêmica, que levou dezenas de manifestantes contra as propostas ao plenário da Câmara, as duas futuras novas leis não valerão nada, já que contrariam a Constituição Federal. Na avaliação de vereadores da própria base aliada, os projetos de Manga só servem para o prefeito fazer campanha entre os eleitores evangélicos e conservadores. Já parlamentares da oposição garantem que as futuras leis serão derrubadas pela Justiça.

Durante as discussões do projeto que proíbe a Marcha da Maconha, a vereadora Iara Bernardi (PT) leu o parecer do STF que declarou que a proibição do evento é inconstitucional. “A Câmara quer ir contra o Supremo Tribunal Federal?”, questiona. Ela também destacou que, de acordo com a proposta, qualquer ação de debate sobre o tema fica proibida, como audiências públicas ou congressos médicos. Isso porque, além da Marcha da Maconha, o projeto proíbe a realização de “feiras, reuniões e prática análogas” que façam apologia a substâncias ilícitas.

Já o projeto da censura “proíbe a comercialização de livros, revistas ou artigos congêneres em bancas de revistas ou jornais, no âmbito do Município de Sorocaba, que façam apologia à posse para consumo e uso pessoal de substâncias ilícitas entorpecentes ou psicotrópicas, que possam causar dependência”. O descumprimento da norma gera multa de R$ 100 mil e a cassação da outorga de uso conferida à banca ou à loja infratora.

A matéria também estabelece uma “campanha permanente, nas escolas municipais, para prevenção, conscientização e enfrentamento ao uso ou dependência de drogas e álcool”.

Na prática, os vereadores acabaram dando um “cheque em branco” para o prefeito, já que o projeto é bem genérico e determina que tanto a campanha nas escolas como a forma de fiscalização das bancas de revistas serão definidas por meio de decretos que serão editados no futuro pelo prefeito.

A vereadora Iara Bernardi reforçou no plenário que não cabe ao Executivo a proibição prevista no projeto. “Como o prefeito pode enviar um projeto desses sabendo que é absolutamente ilegal?”, indaga. “Não cabe à Câmara ou ao prefeito definir isso”, afirma, acrescentando que é legítima a manifestação da população que foi ao plenário para protestar contra os dois projetos inconstitucionais de autoria de Rodrigo Manga.

O líder do governo na Câmara, o vereador João Donizeti (PSDB), tentou defender os projetos, sem muita convicção, lembrando que o prefeito tem entre suas bandeiras políticas o combate às drogas e que isso faz parte do plano de governo. “Até por uma questão pessoal que ele sempre deixou público, nunca escondeu”, diz Donizeti, lembrando o fato de o prefeito ter sido usuário de drogas no passado.

O vereador do PSDB também destacou e defendeu as recentes discussões sobre discriminação de algumas drogas e o uso do canabidiol e da folha de coca como medicamentos e apresentou um substitutivo para ampliar o projeto. Aprovado, o substitutivo não mudou a base da proposta que, segundo a oposição, manteve a censura a qualquer debate sobre substâncias ilícitas.

“Quem vai definir o que é apologia? No início dos debates sobre o uso do canabidiol, isso era apologia”, destaca a vereadora Fernanda Garcia (PSOL), questionando a forma de fiscalização sobre os materiais nas bancas.

Ela também lembrou que a Marcha da Maconha foi liberada pelo STF e, por isso, a futura lei de Sorocaba será alvo de Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade). “Isso tudo é cortina de fumaça para esconder os escândalos de corrupção do governo”, avalia Fernanda.

A vereadora do PSOL pediu ainda que a votação dos dois projetos fosse feita eletronicamente, para que os votos aparecessem no painel, mas os colegas de Legislativo recusaram por ampla maioria.

Assim, as propostas de autoria do Executivo foram aprovadas com apenas quatro votos contrários: das vereadoras Iara e Fernanda, bem como dos vereadores Francisco França (PT) e Salatiel Hergesel (PDT).

As matérias foram apreciadas em sessões extraordinárias, já que o prefeito pediu que a tramitação no Legislativo fosse em “regime de urgência”. Mais cedo, durante a sessão ordinária, Manga esteve na Câmara para saudar os vereadores no início do ano legislativo e agradeceu pela “harmonia com o Executivo”.

Manobra política

A aprovação dos dois projetos inconstitucionais e as discussões ideológicas em torno do assunto não causou estranheza nos ativistas que estiveram presentes na Câmara para acompanhar a votação. Para eles, o retrocesso é uma marca do atual parlamento e a ação do prefeito Rodrigo Manga foi uma manobra para desviar o foco de denúncias de corrupção da sua gestão.

“Com certeza a votação desses projetos é para tirar o foco dos escândalos de corrupção que ele [Manga] está envolvido. Tirar a atenção do que ele realmente precisa fazer e não faz, mas fica propagando informação preconceituosa e sem fundamento para um público ainda bastante leigo”, critica a representante da Marcha da Maconha de Sorocaba, paciente e consultora de cannabis medicinal, Juliana Andrade.

Para ela, são irresponsáveis as falas tanto do prefeito quanto dos vereadores de sua base e que aprovaram os projetos, pois são fundadas em “achismos”, preconceitos e posições ideológicas, que mais prejudicam do que melhoram o debate necessário, principalmente do uso medicinal da cannabis, projeto já sancionado no Estado de São Paulo pelo governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos, mesmo partido de Manga.

A ativista até tentou interpelar Manga, que compareceu à Câmara nesta terça-feira (7), mas foi ignorada. “Não respondeu nenhuma pergunta, não quis falar conosco, virou as costas e saiu.”

Para os ativistas ouvidos pelo Portal Porque, tão estranho quanto a votação e aprovação de projetos inconstitucionais, foi o aval da Comissão de Justiça da Câmara, que deu pareceres de constitucionalidade a eles.

“Sabíamos que seria aprovado, mas a discussão foi totalmente ideológica. Apenas as vereadoras Iara Bernardi e Fernanda Garcia tentaram pautar um debate considerando o caráter inconstitucional dos projetos. No mais, o debate foi muito raso”, comenta o produtor cultural Tiago Oliveira, que ficou até o fim da votação.

Ele vê indícios de censura nos projetos, além do uso do dinheiro público para uma votação inconstitucional. “Para mim, ficou claro que essa discussão foi uma manobra para desviar a atenção das investigações sobre o prédio da Secretaria da Educação, a Sedu”.

Outra crítica é que ambos projetos, de temas complexos, foi votado sem debates com população e especialistas, tampouco sem a realização de uma audiência pública. Mesmo assim, estão confiantes que eventos como a Marcha da Maconha, por exemplo, não seja atingida, considerando que, por serem inconstitucionais, os projetos serão vetados em outras instâncias.

“Vamos nos reunir esta semana e debater o que aconteceu para então nos posicionar. Mas essa votação foi um escândalo, um retrocesso!”, adianta Juliana Andrade, representante da Marcha da Maconha de Sorocaba.

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