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Pela 6ª vez, vereadores barram projeto que reconhece Associação de Transgênero como utilidade pública

Debate sobre o título para a entidade trouxe à tona um confronto pessoal e tentativa de engavetamento por parte de vereador Luis Santos

Wilma Antunes (Portal Porque)

Vereador Pastor Luis Santos deu um show de intolerância e preconceito contra os transgêneros durante os debates na Cãmara. Foto: Reprodução

Um espetáculo de intolerância e preconceito tomou conta da Câmara Municipal de Sorocaba durante o debate sobre o projeto de lei que propunha conceder título de utilidade pública à ATS (Associação de Transgêneros de Sorocaba), nesta quinta-feira (7). O vereador Pastor Luis Santos (Republicanos), conhecido não só por sua posição conservadora no Legislativo, mas também por seu papel de líder religioso, não hesitou em trazer à tona um discurso carregado de ressentimento, revelando uma rixa pessoal com Thara Wells, cofundadora da associação e atualmente conselheira tutelar. É a sexta vez que os vereadores da base governista tentam engavetar a proposta. 

Assim que o projeto foi introduzido para debate, o parlamentar rapidamente requereu a palavra para apontar os supostos equívocos nos documentos fornecidos pela ATS. Ele alegou ter anotado cinco páginas de irregularidades burocráticas, porém, omitiu o fato de que, na qualidade de membro da Comissão de Justiça, não registrou tais erros no parecer emitido pelo grupo, que, inclusive, era favorável à proposta. Uma comissão especial também havia visitado a ATS para verificar a idoneidade da entidade, resultando em outro parecer positivo.

Essa não é a primeira vez que Luis Santos e Thara Wells se confrontam. Em maio de 2021, o vereador proferiu declarações desrespeitosas durante uma sessão ordinária, alegando que pessoas da comunidade LGBTQIAP+ não deveriam ocupar cargos no Conselho da Mulher de Sorocaba, afirmando que mulheres trans não eram “mulheres por completo” para assumir tal função. Nesse caso, vale informar que Thara é uma mulher trans e se sentiu ofendida. Então, ela fez uma denúncia à Polícia Civil, com base na lei estadual 10948/01, que penaliza a discriminação com base na orientação sexual.

“A fundadora processava vereador, mesmo que fossem processos eivados de mentira e calúnia. Indicava vereadores para serem chamados na delegacia para explicar votação. Uma pessoa assim… quando fomos averiguar a estrutura legal da associação, descobrimos coisas absurdas que dá impressão que esses estatutos foram feitos em uma sala de cozinha. Três pessoas se reuniram sem saber o que é estatuto e escreveram da cabeça deles”, disse Santos. 

No dossiê elaborado pelo vereador, ele destacou a ausência de atas registradas da diretoria da ATS entre 2017 e 2023, a demora no registro de alterações estatutárias e a inexistência de um conselho fiscal na entidade. “Dá para levar a sério uma entidade dessa? Quem é que vai fiscalizar essa entidade se não existe conselho fiscal? Quem vai averiguar se a entidade é séria?”, declarou. 

Para a vereadora Iara Bernardi (PT), autora do projeto, todo esse discurso do vereador foi embasado em seu próprio preconceito. Ela destacou que o projeto tramita na Casa de Leis desde o ano passado, enfrentando todos os obstáculos e atrasos possíveis. Ela também observou a falta de dedicação de Santos aos detalhes de outros projetos que não envolviam entidades LGBTQIAP+.

“O preconceito é evidente, é discriminação. Essa entidade existe para defender a população trans de violência, para inseri-la no mercado de trabalho, capacita-la [..] Aí o vereador Luis Santos decidiu se debruçar horas e dias em um estatuto que não é da sua conta. Agora todo mundo se tornou especialista em transgêneros aqui. A associação precisa de recurso e política pública, como acontece em na cidade de São Paulo e no estado. Mas aqui, em Sorocaba, os vereadores discriminam os transgêneros […] Façam o que vocês quiserem. Rejeitem, cada um tem a sua consciência”, disse Iara. 

A vereadora Fernanda Garcia (Psol) também se pronunciou, reforçando a legitimidade da ATS e destacando o papel vital que a entidade desempenha – muitas vezes negligenciado pelo próprio município. Ela abordou a realidade da marginalização enfrentada pela comunidade trans, que frequentemente encontra barreiras para ocupar espaços fundamentais na sociedade.

“Gostaria muito do mesmo ímpeto do vereador em outros projetos dessa Casa, não só de utilidade pública. Muitos votam sem nem ter lido. Tem vereador que tem carta branca para apresentar projetos. Todos são aprovados, sem ao menos conhecerem o trabalho. É muito triste termos uma visão tão preconceituosa e mesquinha nessa Casa”, falou a vereadora.

Em seguida, o vereador Péricles Régis (Podemos) entrou na discussão, concordando com as observações das vereadoras sobre a superficialidade do debate em torno do projeto de lei. O parlamentar apontou uma falha técnica no estatuto da ATS, notando a ausência da assinatura de um advogado, o que poderia invalidar o documento. No entanto, ele destacou que o estatuto menciona a revogação do registro anterior, embora não pudesse confirmar a presença da assinatura nesse registro.

“Quem deveria ter feito isso é a comissão, que tanto estudou e se debruçou no projeto. Quando achou uma falha, se empolgou e não fez a recomendação para arrumar. Não vejo problema nenhum de a ATS virar utilidade pública. Política pública tem que ser feita, goste ou não. Não pode segregar as pessoas, é discriminatório. Quero deixar claro que existe essa falha documental, inclusive, da Comissão da Justiça que não leu isso. Se esse registro não é válido, vamos ver qual está,” opinou Régis. 

ATS nega irregularidades
A ATS, representada pelo advogado Matheus Tarsus, esclareceu que a entidade está regularmente registrada e que as alegações sobre a falta de registro são infundadas. Segundo Tarsus, o registro da ATS é atualizado a cada cinco anos por meio de uma nova assembleia que redefine os poderes e atos da associação. Ele enfatizou que o processo de registro é realizado no cartório de pessoas jurídicas e que, embora possa haver exigências burocráticas adicionais, a associação está em conformidade com essas fases.

Tarsus também informou que a entidade está em processo de registrar a ata da nova diretoria, formada após a saída de Thara Wells para assumir o cargo de conselheira tutelar. Ele ressaltou que, apesar da burocracia inerente ao cartório, a associação está cumprindo com a entrega dos documentos necessários.

Sobre a questão da assinatura no registro, o advogado explicou que, caso haja algum erro ou falta de documento que o cartório não tenha percebido, a associação pode corrigir a documentação e o cartório aceitará, validando o ato anterior. Ele reiterou que o primeiro ato de registro da associação foi assinado por um advogado, assim como o segundo ato, registrado em 2021. Atualmente, a ATS está procedendo com o terceiro registro devido à alteração na presidência.

“A ATS preenche uma lacuna deixada pela administração municipal, fornecendo serviços essenciais à comunidade LGBTQIAP+ de Sorocaba. A Prefeitura pode não reconhecer formalmente a associação, mas na prática, direciona as pessoas trans para nós quando precisam de assistência. Quanto à declaração do vereador Luis Santos, Thara agiu como indivíduo, movida por uma ofensa pessoal, e não em nome da ATS. A convocação para depoimento é uma prerrogativa exclusiva das autoridades policiais, e qualquer descontentamento deve ser direcionado a elas, não à Thara ou à associação”, concluiu Tarsus

Outros projetos
Após um debate intenso, a proposta que declara a ATS utilidade pública recebeu uma emenda e saiu de pauta, mais uma vez. Na sequência das deliberações, dois projetos de resolução foram aprovados. O primeiro, proposto pelo então vereador Cristiano Passos (Republicanos), amplia o mandato de um para dois anos para as comissões permanentes da Câmara.

O segundo, apresentado pela Mesa Diretora, propõe a suspensão de determinados artigos de uma resolução anterior que trata sobre a estrutura administrativa da Casa. A suspensão é justificada pela necessidade de garantir a continuidade dos serviços da copa, já que o processo licitatório para a terceirização está atrasado devido à complexidade da nova Lei de Licitações, segundo a Câmara.

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