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Câmara rejeita Dia de Combate à Violência Política por levar o nome de Marielle Franco

Discussão da matéria consumiu toda a sessão desta quinta-feira (16); vereadores da direita atacaram a proposta, a esquerda e até mesmo a UFSCar

Fábio Jammal Makhoul (Porque)

Fernanda Garcia lamenta que o ‘plenário masculino’ tenha ridicularizado sua proposta e diz ter certeza que os colegas não leram a matéria. Foto: Divulgação/Câmara de Sorocaba

A Câmara de Sorocaba rejeitou, nesta quinta-feira (16), a criação de um dia de combate à violência política contra mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas. A proposta, da vereadora Fernanda Garcia (Psol), revoltou os parlamentares da direita porque a data levaria o nome da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada há cinco anos, num crime político ainda não esclarecido.

A discussão sobre o Dia Marielle Franco de Enfrentamento da Violência Política contra Mulheres Negras, LGBTQIA+ e Periféricas levou cerca de duas horas e consumiu todo o expediente da sessão destinada à votação dos projetos. Não houve tempo para discutir as outras seis propostas em pauta.

O debate acalorado rendeu momentos hilários e constrangedores para os vereadores. E demonstrou, na prática, como funciona a violência política contra as mulheres, por meio de uma série de ataques sofridos pelas vereadoras Fernanda Garcia e Iara Bernardi (PT), disparados pelos colegas homens. As duas são as únicas representantes do sexo feminino entre os 20 vereadores e, constantemente, reclamam que sofrem violência política no plenário.

Sobrou até para a UFSCar

Um dos vereadores mais irritados com o projeto de Fernanda Garcia era o Pastor Luis Santos (Republicanos). Durante sua fala, o parlamentar defendeu “princípios morais” e disparou ataques à esquerda, ao presidente Lula, ao PT, ao Psol e até contra a UFSCar, universidade pública que tem campus em Sorocaba.

“A Marielle não me representa. Ela representa os ‘militontos’ da esquerda que andam com a bandeira da Coreia do Norte, que vão seminus à frente do marco de entrada de Sorocaba, se exibindo. Ela representa os alunos da área de humanas, maior parte da UFSCar, essa universidade federal que tanto prejuízo tem causado para essa cidade. Muitos dos professores são simples doutrinadores”, disparou, sem explicar quais prejuízos são causados a Sorocaba por uma das maiores universidades públicas do Brasil. “Somos uma cidade conservadora”, bradava.

Luis Santos logo ganhou a companhia dos colegas Vinícius Aith (PRTB), Fernando Dini (MDB), Dylan Dantas (PSC) e Cícero João (PSD) nos ataques à esquerda e ao projeto. Fernanda Garcia e Iara Bernardi tentavam defender a proposta, apontando a todo momento a violência política que estavam sofrendo com os gritos e as interrupções que os vereadores do sexo masculino promoviam enquanto as duas discursavam.

Exemplos práticos

Péricles Régis (Podemos) pediu a palavra para defender o projeto e apontou que as duas vereadoras estavam sofrendo violência política naquele momento. Ele, então, foi interrompido por Dini, que, fora dos microfones, chamava o colega de “esquerdista”.

Péricles rebateu: “Por que eu sou esquerdista, Dini? Minhas pautas são liberais. Se o senhor não tem argumento, mantenha-se em silêncio. Cresça um pouquinho para discutir no nível da gente”, disparou. Como Dini continuava reclamando fora dos microfones, Péricles lhe cedeu um aparte em seu tempo e chamou o vereador para debater. Dini não foi.

Outro que se sentiu incomodado com a fala de Péricles foi Vinícius Aith. “Que violência política as vereadoras sofrem?”, questionou. Péricles respondeu que Aith pratica violência política todas as vezes em que troca o nome da vereadora Fernanda. A parlamentar é conhecida pelo último sobrenome, Garcia, mas Aith costuma chamá-la no plenário pelo segundo sobrenome: Schlic, forçando uma pronúncia para “chilique”, que, segundo os dicionários, significa “ataque nervoso ou histérico; faniquito, fricote”.

“Acompanho as vereadoras Iara e Fernanda há seis anos, desde que entrei na Câmara. Quando elas usam a tribuna, os vereadores costumam cortar a fala delas, fazer careta, gracinhas aqui embaixo, tudo para desconcentrar as vereadoras. Isso é violência política contra as mulheres”, concluiu Péricles.

Iara agradeceu o apoio do colega: “Viu como todos ficaram quietos quando o senhor falou? Eles ouvem o senhor, porque é homem. As pessoas percebem, pela TV Câmara, e comentam comigo sobre o tratamento diferenciado que as vereadoras recebem nessa Casa”, emendou Iara.

Fernanda Garcia lamentou que o “plenário masculino” tenha ridicularizado seu projeto e disse ter certeza que os vereadores não leram a proposta. “O objetivo é criar um Dia de Combate à Violência Política contra as mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas, só isso. É uma afronta não defender o combate à violência, seja ela qual for”, comentou.

O projeto foi rejeitado por 12 votos contrários e sete favoráveis. Os vereadores que votaram contrários foram: Silvano Junior, Rodrigo do Treviso, Vinícius Aith, Cristiano Passos, Fernando Dini, Dylan Dantas, Caio Manga, Fausto Peres, Ítalo Moreira, Fabio Simoa, Luís Santos e Cícero João.

Já os favoráveis foram Fernanda Garcia, Péricles Régis, Iara Bernardi, Francisco França, Salatiel Hergesel, João Donizeti e Hélio Brasileiro. O presidente da Câmara só vota em caso de desempate.

Não teve tempo para mais nada

Após duas horas de discussão, a maioria dos vereadores rejeitou a proposta de Fernanda Garcia, já perto do fim da sessão. O presidente da Câmara, Cláudio Sorocaba (PL), chegou a colocar outro projeto em pauta, o de Dylan Dantas, que prevê a privatização de todas as escolas municipais e unidades de saúde de Sorocaba.

O autor assumiu a tribuna e começou seu discurso: “Estão dizendo por aí que eu quero privatizar tudo. Quero! Eu quero, eu quero, eu quero privatizar tudo, sim”, disse, aos risos. Mas a sessão acabou e não houve tempo sequer para o vereador defender sua proposta, que volta aos debates na sessão da próxima terça-feira (21).

Saiba mais sobre Marielle Franco

Marielle Franco (Rio de Janeiro, 1979-2018) foi uma socióloga, ativista e vereadora do Rio de Janeiro. Nascida no Complexo da Maré, desde a juventude participou ativamente de movimentos sociais. Trabalhou desde os 11 anos de idade com os pais, para ajudar a família e juntar dinheiro para custear os estudos. Aos 18, tornou-se educadora infantil em uma creche.

Formada em Ciências Sociais pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio, fez mestrado em Administração Pública pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Foi assessora parlamentar do deputado estadual Marcelo Freixo. Filiada ao Psol, com intensa atuação na área dos direitos humanos, candidatou-se a vereadora pela primeira vez em 2016, e foi eleita com mais de 46 mil votos.

Marielle defendia as mulheres, os direitos humanos e criticava a violência policial, tema de sua dissertação de mestrado. Foi assassinada com o motorista Anderson Gomes, quando o carro em que estavam recebeu 13 tiros disparados de outro veículo. O crime jamais foi adequadamente investigado e esclarecido.

O legado de Marielle e sua luta prosseguem, por meio do Instituto Marielle Franco, fundado por seus familiares (clique aqui para conhecer).

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