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Mãe acusa UPH e Gpaci de imperícia e descaso que teriam levado filho à morte

Segundo a denúncia, menino teve estômago perfurado após problemas no atendimento, com diagnósticos duvidosos e procedimento desastrosos em centro cirúrgico

João Maurício da Rosa (Portal Porque)

Mãe denunciou erro em procedimentos e descaso na troca de uma sonda, que acabou levando seu filho à morte por possível perfuração do estômago. Foto: Arquivo pessoal da família

O que deveria ser apenas uma troca de sonda no estômago do bebê Kauã Lucas Soares, que completaria dois anos de idade no dia cinco de maio, resultou em sua morte e num BO (Boletim de Ocorrência) registrado no 3º Distrito Policial de Sorocaba, após longo depoimento ao delegado Carlos Ayres e à escrivã  Mariana Janez.

De acordo com a dona de casa Daniele Barros Soares, 33 anos, e seu marido, Fábio Antônio Soares, 37, Kauã morreu por negligência e imperícia da UPH (Unidade Pré-Hospitalar) da Zona Norte e do Gpaci (Grupo de Pesquisa e Assistência em Câncer Infantil).

O menino morreu no dia 7 de abril após, supostamente, ter perfurado seu estômago durante troca de sonda no Gpaci. A perfuração foi confirmada por um cirurgião do hospital, mas os problemas no atendimento de Kauã começaram no dia 2 de abril na UPH Zona Norte. Foi uma sucessão de queixas da mãe que não eram ouvidas ou eram ignoradas pelos profissionais que acompanharam o caso durante cinco dias até o desfecho fatal.

Kauã era portador da síndrome cri-du-chat (miado do gato em tradução do francês), rara deformidade na faringe que dificulta a ingestão de alimentos e, portanto, exige nutrição por sonda. Fazia um ano que ele usava a mesma sonda que deveria ser trocada de seis em seis meses.

“No dia 2 a sonda saiu e eu não quis recolocá-la porque ela teve contato com o exterior e poderia transmitir bactérias, infecções, então decidi levar para o PA”, explica Daniele, referindo-se à UPH Zona Norte, antigamente chamado de Pronto Atendimento (PA).

“Apesar dessa síndrome, ele era uma criança bem ativa e em pleno desenvolvimento. Pela dificuldade de engolir ele usava uma sonda. E a negligência já começa pelo fato de a criança precisar trocar essa sonda a cada seis meses. Já fazia um ano que não trocava. Ela estava aguardando o Gpaci para fazer a troca”, argumenta a advogada Joelma Dias da Silva, da banca de advogados Focus, representante dos pais de Kauã.

De acordo com a advogada, o Gpaci sempre usava a desculpa de que não havia material para a troca de sonda. Desta forma, com seis meses de atraso, Kauã faria a troca de sonda na sexta-feira, 5 de abril. Porém na terça-feira, 2, o dispositivo saiu. A mãe procurou a UPH para obter o encaminhamento ao Gpaci, o que demorou 7 horas, das 13h30 às 20h30.

Quando chegaram ao Gpaci o furo por onde entrava a sonda já estava cicatrizado e o menino teve que ir para o centro cirúrgico, onde a sonda foi reintroduzida. Liberado para ir para a casa sem qualquer relatório ou documento atestando seu estado de saúde, Kauã sentia muita dor quando recebia alimentos e os profissionais diziam que era efeito colateral da cirurgia, não se atentaram para o fato de que o estômago poderia ter sido perfurado.

Daniele voltou com a criança para a UPH Zona Norte para ser reencaminhada ao Gpaci. “Mas foi nesse momento que começou nova tortura, porque o médico ficou querendo o relatório do Gpaci. Ele só queria o relatório, em momento algum ele foi lá e fez um exame clínico na criança, não tocou na criança, não pediu nenhum exame, nada. Aí já tinha passado mais de 7 horas”, comenta a advogada Joelma.

O atendimento a Kauã coincidiu com o encontro de um bebê em uma caixa de papelão e que mobilizava a atenção dos profissionais da unidade de saúde. “O enfermeiro preocupado só com a criança que tinha sido achada no lixo, enquanto que o filho da minha cliente estava morrendo. Até que ela, num ato de desespero, puxou o médico e falou ‘olha a barriga do meu filho, pelo amor de Deus’. Aí ele viu que havia alguma coisa estranha e resolveu fazer um raio-x. O resultado foi que havia algo errado no estômago da criança, mas que não tinha como ele falar exatamente do que se tratava, porque tinha que fazer um exame mais específico E ela foi novamente encaminhada ao Gpaci”, relata Joelma.

De acordo com Daniele, outras 3 horas foram desperdiçadas esperando o Gpaci liberar uma vaga para Kauã. E outras horas importantes seriam perdidas enquanto o médico fazia conjecturas sobre o estado de saúde do menino. “Eu disse que o médico da UPH tinha dito que havia alguma coisa virada no estômago do menino e o médico do Gpaci respondeu que a cabeça do doutor do pronto-atendimento é que estava virada”, relatou Daniele.

O plantonista do Gpaci ficou a tripudiar sobre o diagnóstico do colega da UPH Zona Norte enquanto Kauã gemia de dor no estômago furado. Em seguida, o médico retornou e disse que o garoto tinha pneumonia e estava recebendo a devida medicação.

Daniele não se convenceu e exigiu que o plantonista chamasse o cirurgião para ver a barriga do menino. Eram cerca de 9h30 da manhã, e o cirurgião veio olhar Kauã por volta das 16 horas. “E o Kauã, com a barriga imensa, tiraram 600 ml de leite de dentro da barriga dele. E quando a cirurgião desceu, ele falou assim, mãe, espero que não seja o que eu estou pensando. Mas eu vou fazer o raio X e depois eu te falo. Aí logo em seguida ele veio e falou: era o que eu temia, perfuraram o estômago do Kauã”.

Depois disso os profissionais começaram a preparar Eliane para o pior. “Eram 7 horas da noite quando ele foi pra UTI. A médica pegou e falou para mim assim, mãe, a gente está tentando fazer de tudo, mas o seu filho não está achando batimento, não está achando saturação, não está achando nada dele. A gente já deu tudo de droga que a gente podia dar, a gente já fez de tudo e ele não reanima. Aí ela falou assim, olha, se continuar assim, seu filho não passa de 3 horas”.

“Fui embora desesperada, eu chorei muito, desesperei, entrei em choque quando ela falou isso. Só que daí, no outro dia, eu voltei lá, ele estava lá, aí tinha conseguido achar o batimento, tinha conseguido achar a pressão. Estava tudo muito baixo. Ele ligado no ventilador e mesmo assim a saturação dele ficava em 88, 84 e o batimento cardíaco dele estava 230, 235, a pressão dele estava 5 por 4 e ela falou que estava muito preocupada porque estava tudo muito alto e a pressão muito baixa e que tudo que podia já tinha sido dado, que mesmo assim não estava resolvendo nada”, relata Daniele.

A mãe saiu e enquanto isso Kauã sofreu três paradas cardíacas e morreu na quarta. “Ontem enterrei um pedaço dele. Foi assim”, concluiu Daniele. De acordo com a advogada Joelma, o Gpaci encaminhou o corpo da criança diretamente para a organização funerária, sem providenciar a autópsia para apurar se houve falha humana ou falha mecânica na perfuração do estômago.

“Então esse comportamento dos médicos do Gpaci é que gera essa sensação de que houve uma imperícia no momento do procedimento cirúrgico. Então é isso que a gente está tentando apurar: a imperícia com relação ao procedimento e a negligência no atendimento”, informa Joelma.

Desde segunda-feira (22) a reportagem encaminhou três emails para a presidência do Gpaci pedindo sua versão dos fatos e telefonou em seguida solicitando uma resposta. A diretoria do Gpaci chegou a esboçar resposta comunicando recebimento do primeiro e-mail da reportagem. No entanto, interrompeu a comunicação e não atendeu a três telefonemas transferidos para um ramal do responsável. Até às 12 horas desta quinta-feira (25) não houve resposta. A instituição tem espaço reservado caso queira dar sua explicação.

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