Busca

Ídolo do São Bento e de outros clubes, Abelha fala sobre os 40 anos de futebol

Como atleta profissional, ele passou por Ferroviária, Flamengo, São Paulo e Figueirense, mas foi no Bentão que reencontrou a alegria de ser goleiro e ainda foi técnico do time por seis vezes

Rivail Oliveira (Portal Porque)

Fora dos gramados, ex-goleiro e treinador também atacou de comentarista esportivo. Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Sorocaba por adoção e São Bento no coração. Esta definição de João Abelha se confirma pela sua própria trajetória na vida e no futebol. Nascido em Araraquara, se tornou goleiro do Bentão na segunda metade dos anos 1980, vindo diretamente do São Paulo FC. Antes, teve passagens pela Ferroviária e pelo Flamengo-RJ. Em 1997, estreou sua carreira como técnico justamente no São Bento. Ocupou o cargo em seis ocasiões no time sorocabano. Ainda hoje, reside na cidade, administra os bens da família, mas anseia voltar a se envolver diretamente com o esporte.

Um fato curioso é que a estreia de Abelha como goleiro titular em um time profissional, a Ferroviária, foi 1981, em uma partida justamente contra o São Bento, time com o qual iniciaria uma forte ligação poucos anos depois.

Além de fazer parte do elenco de clubes como os já citados, Ferroviária, Flamengo-RJ, São Paulo e São Bento, João Abelha também teve uma sólida carreira, de vários anos, no futebol japonês. Mas seu início mesmo, como na maioria dos casos, foi em times amadores, na chamada várzea.

Além de jogador e técnico, Abelha ocupou funções como treinador de goleiros, superintendente de categorias de base e é autor do livro “Treinamento de Goleiro – Físico e Técnico”. Também ocupou funções técnicas no Figueirense e outras equipes.

Leia a seguir a entrevista exclusiva que o ídolo do EC São Bento concedeu ao Portal Porque.

PQ – Como foi a infância de João Abelha? Já jogava bola desde cedo? Sempre no gol?
Abelha – Tempo bom e de boas lembranças como criança. Claro que já gostava muito de jogar futebol. Chegava da escola, já ia jogar. Tinha um campo perto da casa, onde a gente morava. Eu era o caçula da família. Comecei a jogar no gol mesmo. Depois fui tentar de volante e lateral-direito, mas confesso que não gostei muito. Cheguei à conclusão que jogando na linha eu tinha que ficar correndo atrás da bola e, de repente, no gol era uma posição que a bola vinha ao meu encontro. Então, foi uma decisão que eu tomei e acho que deu certo, porque a partir dali, na época de adolescente, já começou a brotar em mim aquele sonho em se tornar jogador de futebol profissional, ainda mais de jogar na Ferroviária, que sempre foi o orgulho da cidade.

PQ – Você jogou no futebol amador? Como a Ferroviária apareceu em sua vida?
Abelha – Então, joguei pelo amador da cidade [Araraquara], num clube chamado Palmerinha da Vila Xavier. Fui para a Ferroviária, jogar na equipe de júnior, mas eu tinha 19 para 20 anos. Fiquei só três meses, depois eu fui dispensado. Somente em 1979, já com 21 anos eu fui levado pelo diretor da Ferroviária, João Pedro, para treinar no profissional. E confesso que foi um começo muito difícil. Fui para a Ferroviária fazer esse período de teste profissional e eu era o quinto goleiro. Ainda bem que tinha um treinador chamado Diede Lameiro, com quem passei quase dois meses fazendo testes e ele aprovou a minha a minha contratação. Então [no final dos anos 1970], segui minha vida [agora no profissional]. Nessa época tive grandes companheiros e treinadores, como seu Roberto Brida, Sebastião Lapola, Diede Lameiro e companheiros que me ajudaram muito, como Luiz Fernando e Sérgio Bergantim.

PQ – A afirmação como goleiro veio como?
Abelha – Foram muitas dificuldades, passei quase três anos somente treinando, sem ter oportunidade nenhuma, porque eu era o quinto goleiro. Aí fui subindo: de quinto para quarto, depois para terceiro e para segundo. Até que chegou a oportunidade de estar ali mais perto, como goleiro reserva, e esperando a oportunidade para jogar. Mas foi um período muito difícil, de muitas incertezas, mesmo assim eu tinha um alvo e era muito focado naquilo que queria: me tornar jogador profissional. Então foi um momento de muita entrega, mas tudo valeu a pena. A minha a minha estreia oficial na Ferroviária em campeonatos, embora já tinha participado de alguns amistosos, foi em 1981 e, por incrível que pareça, contra o São Bento, em Araraquara. O goleiro titular se machucou e eu assumi.

PQ – E vieram Seleção, Flamengo…
Abelha – A gente fez uma baita campanha na Série A do Brasileiro [na época, Taça Ouro – 83], quando eu fui convocado para a Seleção Brasileira de Novos e fomos tricampeões na França, em Toulon. Logo depois fui negociado com o Flamengo-RJ, mas confesso que não foi uma passagem muito boa. Eu era terceiro goleiro e teve a saída do Cantarelli e, com o final de carreira do Raul, o Flamengo contratou o Filliol. Então ficou muito difícil. Mas, mesmo assim, claro que foram experiências em que a gente aprendeu muito jogando pelo Flamengo e num grande time. Nesse período, logo no início, o Zico tinha ido para o Udinese e o Flamengo assim passou por uma fase de transição muito difícil. Mesmo assim conseguimos ser campeões da Copa Guanabara.

PQ – E no São Paulo, depois o São Bento…
Abelha – Em 1984 fui negociado com o São Paulo e também foi uma situação parecida com o Flamengo. O Valdir Peres tinha parado de jogar, cheguei a jogar algumas partidas e peguei a fase de transição de 1984 a 1985 com o Cilinho (treinador), que fez aquela transformação do elenco e aproveitou vários jogadores que estavam surgindo, como o Silas, Müller, Sidnei [Menudos do Morumbi], que era time realmente fantástico, onde a gente conquistou o título do Campeonato Paulista de 1985. No final do ano, quando acabou o campeonato, expressei o meu desejo junto à diretoria do São Paulo de ser negociado. Surgiu a possibilidade do São Bento. De início pensei que seria difícil trocar o São Paulo pelo São Bento, mas fui orientado pelo Márcio Araújo, que já tinha jogado pelo São Bento, e, na época, o diretor era o Edgard Moura; e ele me deu as melhores informações. Então eu vim para Sorocaba e fiquei no clube durante o mandato dele [86/87]. Assim, o São Bento foi muito importante na minha carreira, onde eu me renovei e voltei a ter o prazer e a alegria de jogar. Foram dois anos que fiquei por aqui sempre fazendo uma boa campanha.

PQ – E sua passagem fora do país, no Japão?
Abelha – Joguei [entre anos 1980 e início dos 1990] no Japão, no Honda FC. Foi uma passagem muito boa, um país de cultura e costumes totalmente diferentes da gente. Confesso que foi um aprendizado fantástico no Japão. O idioma eu aprendi e até hoje falo um pouco de japonês. Foi um aprendizado muito bom que trago até hoje muitas coisas na minha vida. Sobre o futebol japonês posso dizer da aplicação e da determinação do povo japonês e, principalmente, do jogador japonês em querer aprender, se especializar e cada vez mais buscar a sua melhor forma. O povo japonês é muito povo determinado. Depois de encerrar a carreira como jogador, eu me tornei treinador de goleiro no Kashima Antlers, onde participei da transformação do futebol japonês do amador para o profissional com a criação da JLeague em 1993.

PQ – Foram seis vezes como treinador no Bento? Momentos bons e ruins….
Abelha – A primeira experiência que eu tive como como treinador foi em 1997, dirigindo o São Bento pela série A -3 do Campeonato Paulista, onde estreei com vitória. Foi o São Bento me deu a primeira oportunidade como treinador. É claro que eu já tinha uma certa experiência vivida no Japão, pois trabalhava na comissão técnica do Kashima Antlers e a gente já pôde ir aprendendo um pouco do que é [ser treinador]. Mas fui treinador do São Bento por seis vezes na Série A-3, Série A-2 e Série A-1. Eu acredito que seja o único treinador que trabalhou em todas as divisões do futebol paulista pelo São Bento. O momento mais feliz da minha carreira como treinador foi a conquista da Copa Paulista em 2002; e no ano de 2006, quando a gente conseguiu livrar o clube do rebaixamento. O momento mais triste foi em 2007, quando a gente não conseguiu evitar o rebaixamento. Eu reputo que, na minha carreira como treinador, esse foi um dos trabalhos mais difíceis que passei, pela situação toda vivida internamente do clube. Enfim, muito difícil. Mas estivemos ainda em vários outros clubes com bons trabalhos: Barretos, Independente de Limeira, Capivariano, Taubaté, enfim, muitas passagens e lembranças que a gente não esquece na nossa carreira.

PQ – E no Figueirense, como foi o trabalho que revelou Felipe Luiz e Firmino?
Abelha – Nossa passagem pelo Figueirense foi muito boa. Tivemos a oportunidade de trabalhar como diretor técnico de todas as categorias e, depois, num segundo momento, como superintendente técnico das categorias de base. No princípio senti um pouco de diferença porque o assunto não era novidade para mim, mas o cargo sim, pois era uma função e um cargo totalmente diferente. Tive que me especializar e aprender muita coisa, mas confesso que foi uma experiência muito boa. Não podemos deixar de citar os dois jogadores formados na nossa época, que jogaram a Copa do Mundo 2018: Felipe Luiz e o Roberto Firmino. Esse fato realmente foi gratificante como reconhecimento de todo o trabalho que o Figueirense desenvolveu ao longo dos anos.

PQ – Qual foi o grande goleiro que você admirou? E os craques? Qual sua avaliação do futebol brasileiro? Decaímos?
Abelha – Na minha época, teve vários grandes goleiros como Valdir Perez, Carlos, Leão e outros. Quanto aos grandes jogadores, do passado teve vários. No São Bento, especificamente, a gente não pode deixar de citar o Raimundinho, Paraná, Mickey, entre tantos. Em termos de Brasil, os Ronaldos (Nazário e Gaúcho), Zico, Pelé, Romário e muitos outros. Na outra questão [decadência do futebol brasileiro], na minha opinião o jogador brasileiro deixou fazer aquilo que era de fato a sua especialidade, que é sua técnica, o poder de improvisação de nossos jogadores. Tentaram tirar o talento do jogador e não deixaram o jogador brasileiro à vontade para fazer aquilo realmente ele sempre mostrou e que mais nos encantou, nas décadas de 1970, 80 e 90. Hoje a gente vê hoje um futebol muito amarrado, muito truncado, muita marcação, se privilegia mais o aspecto tático e físico em detrimento do futebol técnico

PQ – Pretende retomar a carreira? E tem um recado para os meninos e meninas que gostam de futebol?
Abelha – Devo tudo que tenho na minha vida ao futebol. Jamais iria ter a oportunidade de ir a lugares, cidades, países e estádios, se não fosse pelo futebol. Foram experiências muito marcantes pra mim. Sou eternamente grato ao futebol por tudo que ele proporcionou em minha vida. Quanto ao voltar ao futebol, eu penso sim, um dia, mas quem sabe na gestão nas categorias de base. Gostaria novamente de exercer essa função nessas categorias. Como ex-jogador e pela experiência vivida fora de campo, acredito que ainda teria muito a contribuir. Aos meninos e meninas que querem jogar futebol ou em ser goleiro, que busquem os seus objetivos e não deixem ninguém interferir no seu sonho. Sigam sempre em frente, busquem aquilo que vocês querem e realmente desejam.

Abelha no time do São Bento de 1986: além de jogador, ele foi técnico da equipe por seis vezes. Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

mais
sobre
esporte Flamengo futebol joão abelha São Bento São Paulo
LEIA
+