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Entidades de defesa da cultura negra repudiam posição de Manga sobre o Carnaval

Adiado em fevereiro por conta das fortes chuvas, evento deveria ser realizado neste sábado (21), mas foi cancelado porque prefeitura proibiu que fosse utilizada a denominação 'Carnaval'

Maíra Fernandes (Portal Porque)

Desfile que era realizado em Sorocaba ficará para o ano que vem devido ao boicote do governo municipal, reclamam entidades. Foto: Divulgação/Lucas Batroff/Grupo Imagem

Entidades de defesa da cultura negra repudiaram a posição do governo municipal. Elas acusam o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) de impor empecilhos para a realização do Carnaval fora de época em Sorocaba, que estava programado para acontecer neste sábado (21), no Parque das Águas. A festa havia sido transferida de fevereiro para abril por conta das fortes chuvas no período carnavalesco.

Lideranças da Acusa (Associação Cultural do Samba de Sorocaba), do Compir (Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e Promoção da Igualdade Racial) e da Unegro (União dos Negros Pela Igualdade) denunciam preconceito, perseguição e apagamento histórico-cultural por parte da Prefeitura de Sorocaba.

A decisão do prefeito de proibir, segundo informou a Acusa ao Portal Porque, o uso do nome “Carnaval” para denominar o evento, seja no local ou em material de divulgação, foi o motivo apontado pela entidade para, depois de várias tentativas e conversas, optar pelo cancelamento da apresentação das agremiações, que deveria ocorrer no Parque da Águas. A entidade ressalta que a festa marcada para sexta-feira seria realizada sem recursos públicos, apenas com financiamento de apoiadores privados.

Em nota, o presidente interino do Compir (Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e Promoção da Igualdade Racial), José Marcos de Oliveira, classificou o ato de perseguição ao Patrimônio Imaterial. “Patrimônio este que gera empregos e divisas e que também retrata, em seus muito bem compostos enredos, a verdadeira história do Brasil”, afirma. “Fico aqui pensando sobre as tentativas de justificativas que são gritantemente injustificáveis. Triste!”

José Marcos ainda comparou as medidas impostas pelo município com as perseguições ocorridas no Século 17 contra aqueles que não atendiam os dogmas religiosos que lhes eram impostos.

Ainda conforme o presidente do Compir, a defesa de que o dinheiro utilizado para o Carnaval poderia ser alocado em outras áreas, como a saúde ou educação, também não justifica a decisão de Manga. “O problema não é o Carnaval, o problema é a grotesca interferência político-religiosa no Estado, na política de Estado e, mais grave ainda, sem nenhum constrangimento em desrespeitar os princípios da laicidade, da história e da cultura afro-brasileira”, reclama.

Para José Marcos, trata-se de uma “atitude de perseguição, de inquisição, de apagamento cultural ocorrendo ao sabor dos ventos em Sorocaba. Uma aberração em que se prega, em nome de um Deus que nem eles respeitam, a promoção do ódio e da intolerância.”

Apagamento histórico e cultural

Como recorda a Unegro (União dos Negros Pela Igualdade) Sorocaba, em nota de repúdio enviada ao Portal Porque, a implicância com a cultura afro-brasileira em Sorocaba, por parte de Rodrigo Manga, vem desde os tempos em que ele ainda era vereador, perseguindo e criando projetos para acabar com o Carnaval.

“Amante e apoiador da volta dos rodeios na cidade, ele tem feito investimento zero nos eventos culturais de hip hop, capoeira, Consciência Negra ou qualquer atividade ou produção artística ligadas à cultura afro-brasileira”, pontua o presidente da Unegro, Jorge Henrique Sant’Ana.

Segundo ele, as atividades se mantêm nas periferias por mobilização de lideranças comunitárias que fazem o papel do Poder Público.

Jorge Henrique concorda com o presidente do Compir quando ele diz que a alegação de que o dinheiro a ser empregado no Carnaval deve ser destinado a áreas consideradas prioritárias não se justifica.

“Sorocaba vive a maior crise na saúde já vista, sem remédios básicos nas unidades de saúde. Prova de que esse boicote e corte nas verbas nunca foi por alguma melhoria na cidade”, aponta.

O presidente da Unegro acrescenta que o boicote ao Carnaval promovido pelo Governo Manga não deve ser esquecido nas próximas eleições pela população preta e antirracista.

“Sorocaba segue massacrando a população preta, enquanto existe uma farra de cabides nos cargos públicos com gastos de milhões, ocupados 99% por pessoas brancas. Assim, a nossa voz, a nossa cultura e as políticas afirmativas que promovam a igualdade racial são sufocadas”, comenta. “O racismo institucional segue no Poder Executivo, onde não se pode fomentar ou citar as palavras Carnaval, favela, hip hop e, tampouco, celebrar religiões de matrizes africanas.”

Para o ano que vem

Mesmo cancelando o evento deste ano, a  Associação Cultural do Samba de Sorocaba informou, em nota, que não se curvará ao governo municipal e garantiu que, com ou sem anuência de Manga, haverá Carnaval em 2024.

“Proibidos de usar a palavra ‘Carnaval’ em nosso evento que aconteceria em abril, decidimos cancelar a programação e não nos curvarmos a um governo autoritário, discriminatório, preconceituoso e intolerante à maior festa popular afrodescendente da nossa cidade. Temos a convicção de que para os extremistas religiosos e demagógicos, cultura nunca será prioridade e sempre receberá a chancela de profana. Porém, ressaltamos que estamos tratando de um Patrimônio Cultural Imaterial, conforme a Lei Municipal 12.378 setembro/2021, Lei Estadual 16.913 de dezembro/2018 e a, recentemente aprovada pelo Senado, PL 256/2019”, afirma nota da Acusa.

O texto segue lembrando que os negros continuarão na luta pelo respeito à memória dos seus antecessores, que não desistiram ao longo de mais de 80 anos da preservação do que chamam de maior expressão cultural popular. “Já estamos trabalhando para o enredo do ano que vem e que será relativo aos 370 anos de Sorocaba. Com anuência ou não, o nosso samba vai para a rua e o povo também.”

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