Busca

Represa não é a única causa de enchente, diz coordenador do GT de Crise Hídrica

Nem a vazão mínima controlada evita transbordamentos do rio Sorocaba, nem a passagem de água pelos vertedouros os provoca necessariamente. Assunto é mais complexo do que parece

Fernanda Ikedo (Portal Porque)

Paredão da represa de Itupararanga, em Votorantim. Controle da vazão para o rio Sorocaba é crítico e exige muito cuidado, diz especialista. Foto: Sandra Nascimento

A vazão do reservatório de Itupararanga tomou os noticiários nesta semana após pronunciamento alarmista do prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), na terça-feira, 17 (leia aqui). O prefeito pediu “intervenção estadual” na barragem localizada a montante de Sorocaba e chegou a provocar o pânico ao falar em risco de rompimento da represa, o que foi desmentido pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), gestora da represa, pelo Comitê de Bacia Hidrográfica Sorocaba e Médio Tietê (CBH-SMT) e pela Prefeitura de Votorantim, logo no mesmo dia.

Em entrevista ao PORQUE, o professor da UFSCar, vice-presidente do CBH-SMT e coordenador do Grupo de Trabalho (GT) de Crise Hídrica, André Cordeiro Alves dos Santos, esclareceu dúvidas sobre a capacidade da represa, o manejo de enchente, a administração da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), gestora da represa, e o desassoreamento do rio Sorocaba.

Causas das enchentes

Sobre as enchentes, Cordeiro aponta duas situações. Em uma delas, segundo ele, mesmo quando a vazão nas turbinas da barragem era mínima, de 2,5 m3/s (metros cúbicos por segundo), houve alagamento em Sorocaba. Neste caso, conforme o professor, o alagamento tem a ver com outros fatores. Entre eles, principalmente, a hiperimpermeabilização da cidade, por meio de asfaltamento, construções e outras intervenções que impedem a água da chuva de ser absorvida pelo solo.

Por outro lado, o vertimento de água pelo arcos localizados na parte superior da barragem, embora indesejado, não significa, necessariamente, enchente em Sorocaba.

O tema pode parecer complexo porque, para entender o assunto. é preciso compreender que há diversas situações em relação à vazão da represa. Cordeiro explica que há momentos em que a chuva se concentra mais na cabeceira do reservatório e pouco na cidade. Então, não haverá transbordamento, pois o volume de água da chuva não recebe a contribuição dos afluentes.

Já se a chuva se concentra em Sorocaba e não na represa, “isso vai fazer que a CBA reduza a vazão turbinada (controlada) e não vai haver vertimento pelos arcos.”

Agora, se a chuva for generalizada, tanto no reservatório quanto na cidade, há o risco de vertimento (que não é possível controlar, pois será igual à vazão de entrada), que, somado à vazão máxima turbinada e à contribuição da drenagem das áreas urbanas (água que escorre das ruas da cidade e córregos para o rio), irá causar alagamento e transbordamento, afetando as áreas ocupadas das margens dos rios.

“Por isso, opta-se em aumentar a vazão turbinada  para que não entremos neste último cenário, que é o pior de todos.”

Gestão da vazão

De acordo com André Cordeiro, o plano aprovado pelo Comitê de Bacia permite que a vazão máxima chegue a igualar a vazão de entrada, “mas tem uma limitação técnica, que é a passagem pelas turbinas de no máximo 30 m3/s. Nestes dias houve vazões de entrada acima de 70 m3/s.” Até quinta-feira, 19, a vazão era de 16 m3/s.

Sobre a água passar pelos arcos da barragem, o professor explica que “o vertimento pelos arcos se dá a partir de 64% do volume do reservatório”. Ele também afirma que a CBA (Companhia Brasileira de Alumínio) está cumprido o que foi acordado no Comitê de Bacia e no GT de Crise.

Confira os pontos da entrevista

É inédito chegar à vazão máxima? O Rio Sorocaba suportaria?
Já aconteceu várias vezes esta vazão de 30 m3/s e, inclusive, vazões maiores somadas com o vertimento. Na teoria, é para a calha do rio Sorocaba suportar. A última vez que verteu foi em 2016. Antes, vertia pelo menos a cada dois anos. Às vezes, anualmente.

Esta mudança foi em função de uma mudança na gestão da barragem pela Votorantim, que tenta evitar verter pelos arcos, pois é uma água “perdida” que não passa pela turbina (portanto, não gera energia).

O que ainda não foi feito pelo poder público para evitar as enchentes?
A questão da enchente em Sorocaba é mais complicada. Temos que primeiro diferenciar o que é alagamento (acúmulo de água da drenagem urbana que não encontra vazão para o rio), que independe da vazão do rio, e os episódios de extravazamento do rio, quando ele transborda, pois não suporta o volume de água que chega.

O primeiro caso ocorre independente da vazão do rio. Mesmo no período anterior que o reservatório estava com uma vazão de saída muito baixa (2,5 m3) aconteceram episódios de alagamento na cidade. Estes episódios têm mais a ver com o sistema de drenagem e a hiper impermeabilização da cidade do que com a vazão do rio.

No segundo caso, quando o rio transborda, a influência é maior da vazão que vem de Itupararanga, pois além da vazão que vem de lá há ainda toda a vazão dos córregos e rios afluentes que vêm de Sorocaba e Votorantim, sendo que três deles são mais importantes: o rio Cubatão, que chega no Sorocaba atrás da prefeitura de Votorantim; o Supiriri, que coleta toda a água de chuva do centro de Sorocaba e que tem parte da sua extensão canalizada o que aumenta sua velocidade, e o Pirajibu, que vem de Itu e Alumínio e desemboca um pouco pra frente do Parque das Águas. Também não podemos desconsiderar a ocupação das margens do rio e obras de retificação.

O que ocorre na Praça Lions, Praça da Bandeira e bairro Vitória Régia?
Dos pontos de alagamento da cidade, dois têm influência maior destes outros rios: na praça Lions, o Supiriri; no Vitória Régia, o Pirajibu. O Parque das Águas ocupou uma área de transbordamento natural do rio (possivelmente um brejo anterior) e utiliza aquelas lagoas como redutoras de alagamento, pois muitas vezes o local não comporta o volume de água que desce da cidade e pega um rio já mais cheio pela água que vem da região central e parte da zona sul da cidade. Um outro ponto de alagamento mais famoso, a Praça da Bandeira, é problema do sistema de drenagem que desemboca no Supiriri e não está diretamente relacionado à vazão do Sorocaba, como também acontece em áreas no Mineirão e no Itanguá.

Seria necessário desassorear o rio?
Desassorear é um paliativo e não resolve o problema. É um combate ao sintoma e não à doença. Resumindo, as enchentes e alagamentos em Sorocaba são influenciadas pela vazão de Itupararanga, mas não são determinadas por esta vazão. Precisamos de soluções mais próximas da natureza para evitar estes transtornos. Nós temos que nos adaptar ao rio e não o contrário, até porque a força dele é muito maior que a nossa.

mais
sobre
andré cordeiro causas de enchentes comitê de bacia Itupararanga represa
LEIA
+