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Ondas de calor intenso já eram previstas desde a década de 70, diz especialista

Mariana Morozesk, professora da Ufscar e especialista em Ecologia e Recursos Naturais, explica os efeitos da crise climática, em entrevista ao Portal Porque

Fabiana Blazeck Sorrilha (Portal Porque)

Com temperaturas até cinco graus acima da média, calor intenso era previsto desde a década de 70. Foto: Inmet

No verão de 2024, o Brasil vivenciou as temperaturas mais altas já registradas no País. Houve locais em que os termômetros marcaram até 13º Celsius a mais do que esperado para esta época do ano. Nas favelas do Rio de Janeiro, a sensação térmica ultrapassou 60º Celsius, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária. Em Sorocaba, no mesmo período, a sensação térmica chegou a 40º Celsius em março, com cinco graus a cima da média para o mês. Esta foi a terceira onda de calor desde o início do verão. Não se pode dizer que esses aumentos das temperaturas não foram previstos. Desde a década de 70, estudiosos têm alertado para isso.

Em 2023, o país somou 65 dias de muito calor, o equivalente a quase um quinto do ano (18%), informou o Inmet. Entre julho e novembro, foram cinco recordes seguidos de temperatura média. Mas o que ondas de calor cada vez mais frequentes podem representar? O impacto pode ser sentido desde a saúde até problemas na natureza.

Não olhar para os picos de temperaturas intensas no Brasil de forma isolada é a primeira observação que faz Mariana Morozesk, professora-adjunta da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPGERN) com mestrado e graduação em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

“O que ocorre é que desde a década de 70 foram feitos diversos alertas nos estudos científicos sobre os problemas relacionados à exploração dos ecossistemas naturais, alterações climáticas e mudanças dos ciclos biogeoquímicos do planeta. Sabemos dessas informações a partir da análise de registros obtidos em amostras de gelo na Antártica que correlaciona a temperatura com as concentrações de dióxido de carbono e metano (CO2 e CH4) nos últimos 420.000 anos, medições globais utilizando satélites e estações meteorológicas ao longo da superfície terrestre. Os resultados mostraram as variações cíclicas entre os períodos glaciais e interglaciais nos quais as concentrações de CO2 mudaram entre 180-200 ppm (partes por milhão), nos períodos glaciais, e 265-280 ppm nos períodos interglaciais. Atualmente, em abril de 2024 as concentrações estão em 426 ppm de CO2, ou seja, o valor máximo observado num passado recente”, explica a doutora.

Com essas mudanças, a atmosfera da Terra se comporta como uma estufa, ou seja, a radiação solar aquece a superfície do planeta que irradia energia para fora, principalmente como radiação infravermelha. Esse evento é natural e necessário para manter o planeta em níveis de temperatura adequados para a vida. O problema é que alguns gases comumente liberados por atividades humanas como o dióxido de carbono, o óxido nitroso e o metano – chamados de gases do efeito estufa (GEE) – também possuem capacidade de absorver essa radiação infravermelha. Como o vidro de uma estufa, esses gases, somados ao vapor de água, impedem que parte da radiação escape e mantêm a temperatura mais elevada. Aí que a gente sofre com essas temperaturas tão altas, explica a professora

Futuro mais quente
Estimativas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), enfatizam que a temperatura está aumentando, e que este aumento se deve à ação humana dentro do modo de produção capitalista atual. “Essa forma de exploração dos ecossistemas naturais já causaram cerca de 1,0°C de elevação na temperatura global nas primeiras duas décadas do século 21 (2000-2020) comparados com os anos de 1850-1900. As previsões indicam que as temperaturas globais irão atingir, em 2100, a temperatura média maior em 1,8°C (com baixas emissões de GEE) e até 5°C em um cenário de muitas emissões gases do efeito estufa”, assevera Mariana.

“Como o planeta está a cada ano retendo mais calor, nós vamos naturalmente ter mais picos de calor e ondas de calor. Concomitantemente, uma atmosfera mais quente tem a capacidade de reter mais umidade, assim esses eventos influenciam nos eventos extremos relacionados a chuva e a falta dela, modifica as correntes marítimas entre tantas outras alterações”, completa.

Como isso reflete nas pessoas?
A análise feita pela especialista nos faz olhar para as cidades e como elas estão organizadas a partir da perspectiva capitalista e colonial, ou seja, pessoas mais ricas moram em áreas com mais estrutura, arborizadas, com saneamento, bom sistema de drenagem urbana e água de qualidade e pessoas mais pobres não possuem as mesmas condições. “Viver em um meio ambiente equilibrado, em uma casa segura e ruas arborizadas são direitos mínimos constitucionais para um bem-estar social e deveriam ser oferecidos pelo Estado a todos”, critica Mariana.

Ocorre que se as desigualdades sociais já ocorrem nas cidades e no campo, os impactos da crise climática também não são democráticos, resultando em danos ambientais desiguais para as pessoas. Ou seja, pessoas que já estão em vulnerabilidade social também são as mais afetadas pela destruição ambiental, e como essas populações são majoritariamente negras nas periferias do Brasil, podemos utilizar o termo “racismo ambiental” para demarcar e compreender essa forma de violência.

Assim, as injustiças ambientais recaem de forma desproporcional sobre grupos sociais étnico-raciais vulnerabilizados, isso pode ser utilizado para compreender as alterações climáticas, mas também políticas de desenvolvimento urbano desiguais, eventos de poluição da água, solo e ar e locais de instalação de depósitos de materiais perigosos e resíduos.

Ondas de frio
Sobre as ondas de frio extremas, a professora faz um alerta, já que sempre pensamos em alterações climáticas como sinônimo do termo aquecimento global. “No meu ponto de vista, eu prefiro continuar com o termo alterações climáticas para evidenciar que eventos de frio extremo também podem ocorrer por conta dessas mudanças bruscas nas massas de ar. Ou seja, a tendência global ao longo do tempo é um planeta instável e com uma média de temperatura mais alta, quando consideradas todas as amostragens, mas isso não quer dizer que períodos de frio intenso também não irão ocorrer”, alerta a pesquisadora.

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