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Especialistas desmentem versão de Manga sobre represa ser a causa das enchentes

Esta não foi a primeira nem será a última enchente do Sorocaba, alertam os especialistas. Para eles, todo o planejamento urbano precisa ser repensado

Fabiana Blazeck Sorrilha (Portal Porque)

Águas pluviais e impermeabilização do solo são apontados por especialistas como fatores que contribuem para as cheias do rio. Foto: José Finessi

A vasão da represa de Itupararanga pode contribuir com o aumento do volume de água do rio Sorocaba, mas, ao contrário do que o prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) afirmou em suas redes sociais, não é o principal fator das inundações atribuídas ao rio Sorocaba, já que o volume de água enviado ao rio está dentro da normalidade, conforme reiterou nesta terça-feira, 31, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), responsável pela gestão da represa.

Conforme especialistas consultados pelo PORQUE, não se pode colocar a culpa das cheias do rio Sorocaba unicamente na vazão daquele reservatório, muito menos em outros afluentes espalhados por toda a cidade, inclusive em regiões altas como a avenida Itavuvu, por exemplo, que também inundam. Segundo quem entende do assunto, a cidade carece, há tempos, de mais planejamento e projetos para melhorar sua drenagem urbana.

De acordo com André Cordeiro Alves dos Santos, vice-presidente do CBH-SMT (Comitê de Bacia Hidrográfica Sorocaba e Médio Tietê), professor da UFSCar e coordenador do Grupo de Trabalho (GT) de Crise Hídrica, o que acontece é que a calha do rio Sorocaba, além de receber a vazão controlada das águas da represa, também recebe todo o volume de água de outros rios que desaguam nele nos trechos urbanos de Votorantim e de Sorocaba.

Esses rios, por sua vez, drenam bacias urbanas que estão muito impermeabilizadas por conta do crescimento desenfreado e sem planejamento na cidade.

O especialista reforça que é necessário pensar formas de evitar a impermeabilização do solo por meio de planejamento e infraestrutura urbana para promover a absorção das águas pluviais de forma inteligente. Obras chamadas piscinões, como o que está sendo construído à beira do córrego Itanguá, na zona oeste, ou já concluídas, como o Parque das Águas, na zona norte, ou o Parque dos Estados, entre as avenidas Américo de Carvalho e Washington Luís, são bacias de contenção que fazem com que o rio receba a água da chuva de forma mais lenta, o que evita o transbordamento imediato.

Mas, a longo prazo e com a impermeabilização crescente do solo urbano, esses piscinões tornam-se apenas paliativos e podem não mais comportar tanta água ao mesmo tempo.

Solução é investir em permeabilidade do solo

Segundo o especialista, a grande quantidade de água que vai em direção ao rio Sorocaba precisa ser pensada “de cima para baixo”, conforme explica. Ou seja, é necessário pensar das nascentes dos rios em direção à sua foz, com providências que levem em conta o meio ambiente. Parques e áreas de mata também auxiliam no escoamento da água. Já os empreendimentos imobiliários não são pensados de forma a favorecer o escoamento da água — somente em recolher a água por meio de canalizações e jogá-la para regiões mais baixas.

Outro estudioso do assunto, Flaviano Lima, professor da Fatec Tatuí/SP, advogado, economista, mestre em Economia e doutorando em Ciências Ambientais pela Unesp Sorocaba, destaca que a cidade possui onze córregos que desembocam no rio Sorocaba e contribuem significativamente para que o rio suba rapidamente de nível e provoque as inundações.

“Aliás, nas chuvas, esses córregos acabam tendo o perfil de um rio e todos têm sua foz no rio Sorocaba. São eles: Água Vermelha, Supiriri, Piratininga, Pirajibu, ou o Itanguá, que é o mais extenso, com 12 km. Imaginem o quanto não se acumula de água somente na extensão do Itanguá com 12 km, desembocando no rio Sorocaba! Além desses, temos também os córregos Matilde, Tico-Tico, Curtume, Formosa, Matadouro e Presídio, e também outros de Votorantim que contribuem para rápida elevação do nível do rio Sorocaba”, aponta.

Ao que André acrescenta: “Canalizações de córregos, como a feita no Supiriri recentemente, causa mais problemas do que solução. É necessário respeitar a área de margem de um rio, com sua flora e fauna, e deixar que esse rio cumpra seu papel de absorver a água da chuva. É necessário e urgente adaptar a cidade ao rio, e não o rio à cidade. Isso vale também para o rio Sorocaba. Já construímos, no passado, sobre a margem esquerda do rio e agora falamos em construir à margem direita também.”

Vazão da represa está dentro do combinado

Mesmo com todo o volume de chuva registrado nos últimos dias, Itupararanga ainda não está vertendo água, mas sim, com a extravasão controlada e monitorada justamente para evitar que a água saia pelos arcos de sua estrutura.  A vasão máxima controlada que saiu da barragem chegou próximo a 28 m³ por segundo, volume de água que pode ser absorvida pelo rio Sorocaba sem que haja o alagamento das ruas próximas. Para se ter uma ideia, levando-se em conta apenas a água liberada pela represa, a quantidade de água do rio Sorocaba próximo à Praça Lions precisaria estar em 100 m³ por segundo para que haja a inundação da avenida Dom Aguirre.

Mesmo assim, o prefeito Rodrigo Manga optou por dizer em suas redes sociais que a culpa pelo transbordamento do rio Sorocaba seria da represa de Itupararanga, chegando a afirmar que a vazão da água estaria em 30 m³ por segundo.

A vazão de 30 m³ por segundo não aconteceu, conforme esclareceu a CBA, empresa responsável pela represa. Por meio de nota, a empresa informou que desde sábado (28), reduziu a vazão de 22 m³/s para 18 m³/s, referente inclusive à vazão atual da represa.

A forma como a vazão de água acontece é de conhecimento e comum acordo entre todos os membros do Comitê de Bacia. O curioso é que o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Sorocaba, autarquia municipal, participa do Comitê, ao lado da Águas de Votorantim, Sabesp, DAEE, Cetesb, representantes do executivo de Alumínio, Votorantim e Sorocaba, Instituto Florestal, Gaema, CBA, além de Universidades e ongs.

Em dias anteriores, a represa chegou a operar com a vazão máxima de 26 m³/s para realizar o controle de cheias do reservatório de Itupararanga neste período úmido. O controle da vazão é crítico, pois, quando chega ao seu limite máximo, a represa pode verter água por sobre seus arcos, o que não representa abertura de comportas nem que ela vai estourar, como divulgado erroneamente, mas implica numa vazão (aí sim) descontrolada.

Ainda de acordo com a CBA, o controle de cheias é relevante para assegurar a vazão defluente do reservatório, evitando que o nível alcance a cota do vertimento e, dessa forma, sim, gerar impactos aos municípios lindeiros à represa.

Rio Sorocaba continuará inundando, se nada for feito

Sem planejamento urbano e políticas de cuidado com o meio ambiente e com o rio, esta não foi a primeira e nem será a última vez que o rio Sorocaba causará alagamentos. Nas fortes chuvas registradas no dia 30 de dezembro de 2021, quando a represa estava com vazão reduzida devido à crise hídrica severa, a avenida Dom Aguirre, a avenida 15 de Agosto e o Parque das Águas alagaram.

As enchentes foram causadas por chuvas fortes na cidade, de cerca de 90 mm, sem conexão com a vazão da represa, que estava abaixo de 2,0 m³/seg e com nível crítico de apenas 20% de sua capacidade, próxima a atingir o volume morto, o que seria terrível em termos ambientais e sanitários.

Da mesma forma, nas fortes chuvas no dia 12 de março de 2022, quando a represa continuava com vazão reduzida devido à crise hídrica severa, a cidade estava em esquema de rodízio de abastecimento feito pelo Saae e, mesmo assim, houve alagamentos à beira do rio Sorocaba e diversos bairros tiveram problemas pela chuva forte. Naquela data, foram 83 mm de chuva e o rio inundou, sem a vazão da represa, que continuava abaixo de 2,0 m³/seg.

“Não podemos demonizar a represa de Itupararanga e colocar a culpa nas inundações do rio Sorocaba. A cidade carece, há tempos, de mais planos e projetos para melhorar sua drenagem urbana no contexto de seu planejamento e crescimento de sua população, com mais de 700 mil habitantes, conurbada com Votorantim”, enfatiza Flaviano.

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