Busca

Emenda tira projeto sobre cannabis medicinal da pauta em sessão tensa da Câmara

Vereador apresentou emenda que sugere a retirada de mecanismos de informação do projeto, e inflamou o debate sobre caráter ideológico da representação. Projeto saiu de pauta e não foi votado nesta quinta-feira

Maíra Fernandes (Portal Porque)

Projeto foi bem recebido por diversos vereadores, mas esbarrou na resistência de um vereador de direita. Foto: reprodução

O projeto sobre a criação de uma política municipal de saúde sobre o uso da cannabis para fins medicinais foi apresentado na Câmara Municipal nesta quinta-feira, mas saiu de pauta. O projeto de lei (PL) de autoria do vereador Fábio Simoa (Republicanos) recebeu uma emenda do vereador Vinicius Aith (PRTB) e rendeu discussão acalorada entre os dois parlamentares. Simoa acusou Aith de se manifestar de maneira ideológica ao impedir a votação em primeira discussão, e foi chamado de “pequeno Alexandre de Moraes” por Aith, em alusão a um suposto cerceamento ao seu direito de opinar diferente. Também houve embate entre a plateia e Aith.

A emenda apresentada pelo vereador é de caráter supressivo e pede que quatro artigos sejam retirados do projeto, justamente aqueles que garantem a disseminação de informações sobre o caráter terapêutico e comprovação científica sobre a utilização dos medicamentos, com ações pedagógicas, de formação e sistema de informação em locais públicos. Como afirmou o vereador, ao propor a emenda cerceando a propagação de conhecimento científico, ele não estava discutindo “saúde pública”.

Diferentemente de Aith, os vereadores que pediram para falar sobre o projeto manifestaram apoio e parabenizaram Simoa pela coragem de trazer um tema considerado “novo” e polêmico à pauta, em um ambiente bastante conservador. Iara Bernardi (PT), Fernanda Garcia (Psol), Fernando Dini (MDB), Hélio Brasileiro (PSDB) e o líder do governo, João Donizeti (PSDB), se pronunciaram, tanto para questionar aspectos de aplicabilidade da política municipal, como para se posicionar sobre as evidências científicas, as dificuldades ainda vivenciadas por pacientes diagnosticados e também a urgência de trazer essa discussão para parlamentares e comunidade.

“Parabenizo o vereador pois essa Casa de Leis tem que ter discussões como essa. Dentro da minha casa tenho visto bons resultados com parentes próximos que fazem uso da medicação, e posso dizer que sou testemunha de que é positivo. Parabenizo pela coragem, não podemos viver em um mundo preconceituoso”, afirmou Dini.

Clima tenso

Para que houvesse tempo para a discussão, o PL foi alterado de ordem. Simoa iniciou lendo um Salmo sobre a cura e defendeu que o assunto fosse tratado com humanismo e não com questões ideológicas, partidárias e religiosas. “Aqui não tem lado, estou para defender o que é certo, o que é legal, o que é ciência. Não tenho bandeira, tenho a população e meus deveres como parlamentar”, declarou, contando que, pela complexidade do tema e os possíveis embates que enfrentaria, não tinha conseguido nem dormir direito, preparando-se para a apresentação.

Para fundamentar o projeto, o vereador apresentou um vídeo com depoimentos de pacientes e de autoridades médicas, reforçando os benefícios da utilização do canabidiol e, ao mesmo tempo, a dificuldade encontrada para a aquisição, principalmente para pessoas de baixa renda, que precisam importar o medicamento.

O vereador pediu que não protocolassem emendas de caráter ideológico, pois o projeto é constitucional, com embasamento científico e jurídico. No entanto, apesar do clamor, a emenda proposta por Aith frustrou os planos do parlamentar. “Pessoas usando a ideologia. Vocês viram quem atrasa a vida das pessoas e usam termos religiosos para não votar o projeto”, reclamou à plateia, reiterando, ainda, que Aith sequer se encontrava no plenário para debater.

Ao chegar, Aith pediu para falar e, como estava sem blazer, Simoa ameaçou se retirar e sugeriu que o presidente da Casa, Claudio Sorocaba (PL), não permitisse aparte, pois não estava vestido socialmente, como pede o Regimento Interno da Casa. Depois da mediação do presidente, foi permitida a defesa de Aith, que já iniciou a conversa chamando Simoa de “pequeno Alexandre de Moraes”, em referência às críticas que os bolsonaristas fazem ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo fato de o vereador querer ditar, segundo alegou, o que os colegas devem dizer ou vestir.

“Não acho que esse assunto tem que estar dentro da escola”, esbravejou Aith sobre o pedido de supressão dos artigos que garantem ações públicas para a disseminação  de informação sobre o uso medicinal da cannabis.

Birra

Presente na plateia de onde acompanhou a sessão e se manifestou, principalmente quando da fala de Aith, Juliana Andrade da Silva, consultora de medicamentos à base de canabinóides e paciente em tratamento há um ano por ser portadora de lúpus e fibromialgia, classificou como “absurdo” o comportamento do vereador e, principalmente, a falta de argumentos científicos para debater o projeto.

“É birra! ele nem leu o projeto. É inconstitucional negar informação. É muito achismo e nenhum argumento científico”, pontuou Juliana, que até tentou conversar com o vereador depois, mas teve o pedido recusado. Para ela, apesar de uma possível resistência da ala conservadora da Câmara, assim que ocorrerem as audiências públicas há maior possibilidade de o projeto ser aprovado.

Derrubada de vetos

Antes da apresentação do projeto sobre o uso medicinal da cannabis, os vereadores votaram e derrubaram mais dois vetos do prefeito Rodrigo Manga (Republicanos), ambos por 15 votos favoráveis à indicação do líder do governo na Câmara, João Donizeti, que orientou que votassem contrários ao veto.

O primeiro veto derrubado havia sido dado ao projeto do vereador Francisco França (PT), sobre a obrigatoriedade de garantir a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, alunos de escolas públicas municipais e pessoas com deficiência a gratuidade no acesso aos parques de diversões. “O parecer da comissão técnica derruba essa visão, opinamos pela derrubada do veto”, orientou o vereador, alegando que, mediante a justificativa do Executivo sobre critérios quanto situação de vulnerabilidade e mesmo idade das crianças e jovens, a comissão deu um parecer mais plausível. Lembrou que a própria secretaria de Cidadania (Secid) trabalha com diretrizes que designam esses critérios para determinar situação de vulnerabilidade social, ou seja, o município tem essa ferramenta; e mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), define idades de crianças e adolescentes.

O Segundo projeto projeto que teve o veto rejeitado é de autoria do vereador Ítalo Moreira (PSC), sobre a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas escolas públicas municipais e cercanias. O veto do Executivo dizia que a instalação desses equipamentos impactariam no orçamento público; no entanto, como já é previsto por lei anterior (2011) e se trata de uma complementação, também teve voto da maioria pela derrubada.

mais
sobre
Câmara Municipal CANNABIS MEDICINAL EMENDA vereadores
LEIA
+