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Ombudsman serve para quê?

Leia a coluna de estreia do ombudsman do Portal Porque, João José de Oliveira Negrão, responsável por fazer a autocrítica do jornal. O Portal Porque é o 3º veículo de comunicação do Brasil a manter um ombudsman

João José de Oliveira Negrão (ombudsman do Portal Porque)

Essa é a coluna inaugural que escrevo como ombudsman do Portal Porque. E começo explicando qual é a função dessa figura no contexto do jornalismo, uma vez que, originalmente, ela nasceu em outras instituições. O termo, embora pareça, não vem da língua inglesa, A figura jurídico-política do ombudsman foi criada em 1809, na Suécia (em sueco, significa ‘aquele que representa’), com a finalidade de salvaguardar os direitos dos cidadãos e supervisionar a aplicação da lei pelos tribunais e pelas autoridades. Atualmente, o ombudsman está disseminado no âmbito público e privado para designar um elo entre a instituição e sua comunidade de usuários.

No jornalismo, o ombudsman tem duas funções: ser um intermediário entre a publicação e seus leitores e exercer a chamada crítica de mídia, principalmente do próprio veículo a que está ligado, mas também com pinceladas de uma crítica geral. Ele aponta, através de relatórios internos, pontos em que, em sua avaliação, a redação se equivocou. Isso vai desde o cumprimento das regras clássicas do jornalismo (apuração cuidadosa, espaço para que todas as partes envolvidas numa questão sejam ouvidas, texto claro etc) até coisas mais banais, como erros de grafia, de concordância etc.

Segundo o Wikipédia, o primeiro ombudsman no jornalismo surgiu em uma empresa dona de dois jornais de Louisville, nos Estados Unidos, em 1967. Três anos depois, The Washington Post seria o primeiro grande jornal a contratar o profissional. No Brasil, o primeiro veículo a instituir a função foi a Folha de S. Paulo, em 1989. Hoje, além da Folha, apenas O Povo, do Ceará, desde 1993, mantêm ombudsmans. Dos veículos unicamente digitais, nosso Portal Porque é o primeiro.

Leitura crítica: acertos…
De maneira geral, o Portal Porque tem conseguido manter e aprofundar suas melhores características: exercer um jornalismo público, claramente vinculado aos interesses e demandas do cidadão de Sorocaba e região. As denúncias têm sido bem apuradas e os textos claros, adequados aos leitores. Cumpre um papel importante na vida da cidade, praticando um jornalismo de qualidade e com uma perspectiva progressista.

É preciso ficar atento ao que, até aqui, o Portal Porque tem conseguido evitar, com um ou outro pequeno deslize: o discurso panfletário e o excesso de opinionismo. Ao longo da semana, um conjunto expressivo de matérias reforça essa interpretação. As denúncias sobre o Saae, sobre a área da saúde, sobre as cervejas, sobre trânsito e transporte, entre outras, bem apuradas, dão o tom desse jornalismo público. Isso tem tido um preço: a recusa da Prefeitura, da Secom e das empresas municipais de falar com o Porque leva o veículo a repetir, em boa parte dos textos, que o prefeito, o secretário, o diretor, procurados, se recusaram a falar com o Portal.

É cansativo,  mas terá de se manter assim até que o poder público municipal responda. O erro está no poder público sorocabano, que sofre de uma completa falta de noção do que é a comunicação pública. O Porque é um veículo legalmente estabelecido, com diretores e editores claramente identificados e que “circula” sem interrupções há mais de dois anos. Nada justifica o boicote.

…e erros
Houve erros. Alguns mais simples, como “Mortes no trânsito, no primeiro trimestre, É 63% maior que no ano passado”. Repórteres e editores devem ficar atentos a isso. Erros de concordância ou de grafia precisam se aproximar de zero.

Já estamos em pleno período, não oficial, de campanhas para a eleição municipal. Isso exige atenção e senso crítico redobrados. É necessário muito cuidado para não fazer palco para eventuais candidatos, principalmente ao Legislativo. A matéria sobre o advogado Roberto Tray, que foi à sessão da Câmara bater boca com a mesa diretora, se aproximou perigosamente disso. Tudo indica que este advogado pretende ser candidato (o que é absolutamente legítimo). Tanto que, no mesmo dia, postou um vídeo com a filmagem desde a sua chegada ao prédio até a discussão com os vereadores.

Houve também falhas de pauta. O Portal só deu matéria sobre o pedido de explicações do MP acerca da não obrigatoriedade da carteira de vacinação cinco dias depois do G1, que publicou texto sobre o assunto em 25/04. Isso ocorreu após a crítica interna do ombudsman. Também não houve matéria repercutindo localmente o projeto de reforma tributária, medida importante do governo, nem sobre a igualmente importante inauguração da fábrica de insulina pelo presidente Lula.

O Porque não tratou da visita do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT) a Sorocaba e Votorantim, embora tenha dado a fala do Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, sobre Danilo Balas. E, em Votorantim, Chinaglia foi recebido por Carlos Pivetta, ex-PT e candidato agora pelo PSB, e não pelo pré-candidato do PT daquela cidade, Marcão Papeleiro. Essa divergência é notícia.

O veículo tem tratado pouco do tema economia, que sugiro não deva ser feito como a grande imprensa e suas agências, das quais concorrentes do Porque compram matérias: elas reduzem a cobertura de economia ao mercado financeiro, mas, numa perspectiva do jornalismo cidadão, o Porque deve ter uma preocupação de olhar a economia real, produção, emprego, avanços tecnológicos, preços dos produtos.

Também sugiro ampliar a discussão sobre o tema ciência. Temos universidades e institutos federais importantes na região e, levando em conta que no governo Bolsonaro o negacionismo científico causou danos elevados – por exemplo, queda na cobertura vacinal – creio que é tarefa de um veículo progressista ajudar a resgatar a importância do papel social da ciência.

Fale com o ombudsman: [email protected]

* João José de Oliveira Negrão, ombudsman do Portal Porque, é jornalista, doutor em Ciência Política e professor aposentado de Jornalismo

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