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Para MP, programa de Dário que quer ‘devolver’ pessoas em situação de rua para suas cidades é ilegal

“Envio de pessoas em situação de rua para outras localidades só deve ocorrer se a pessoa desejar, e não de forma arbitrária”, afirma promotor

Da Redação

Foto: Agência Brasil

O promotor Daniel Zulian, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), afirmou que o envio de pessoas em situação de rua por intermédio da prefeitura para outros municípios é ilegal. A afirmação foi dada à reportagem do Portal Porque Campinas em relação à Operação Retorno, anunciada na segunda-feira (6) pelo governo de Dário Saadi (Republicanos) e que se baseia em dados de 2021.
“O município precisa esclarecer no que consiste o ‘devolver’, uma vez que o envio de pessoas em situação de rua para outras localidades só deve ocorrer se a pessoa desejar, e não de forma arbitrária”, esclareceu o promotor. “Isso para qualquer cidade. Ou seja, aplica-se tanto para as pessoas que vêm a Campinas como para as que aqui estão. Ninguém pode ser forçado a se deslocar. Direito à liberdade de locomoção no território é aplicável a todas as pessoas. A promotoria estará atenta a isso”.
A operação anunciada por Dário visa responsabilizar prefeituras que remeteram, de modo injustificado, pessoas em situação de rua de suas cidades para Campinas, custeando passagens de transporte rodoviário intermunicipal para indivíduos e famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social.
Ela se baseia em, conforme informações divulgadas pela própria prefeitura, relatos da Guarda Municipal que já teria identificado situações de pessoas em situação de rua sendo enviadas para Campinas das cidades de Bauru, Bragança Paulista, Hortolândia, Jaguariúna, Limeira, Poços de Caldas, Serra Negra e Valinhos.
Além disso, ela leva em consideração o relatório “Contagem da População em Situação de Rua”, lançado em dezembro de 2021 pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas, e que aponta que 37,6% da população nessa condição vem de outros Estados, 20,1% de outra cidade do Estado de São Paulo, 6,9% da capital paulista, 5% de cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) e 1,3% de outro país. Nesse quadro, moradores de Campinas representam 29,1%.
Ainda de acordo com a prefeitura, esses casos foram remetidos ao MP para avaliação de caso a caso.
O MP confirmou ter recebido o relatório produzido pela Prefeitura de Campinas, contendo entrevistas com os moradores em situação de rua, que alegaram terem recebido das respectivas secretarias de assistência social de cada munícipio, passagens com destino a Campinas.
A reportagem do Portal Porque teve acesso à notificação do MP, datada de 25 de abril de 2024, para os devidos municípios, cobrando-os para que, no prazo máximo de 20 dias, esclareçam as razões para terem sido fornecidas passagens aos moradores em situação de rua com destino à Campinas.
Na Notícia de Fato (NF) do MP, é cobrado que os municípios “esclareçam as razões para terem sido fornecidas passagens de transporte urbano às pessoas identificadas, pela administração municipal, com destino a Campinas”. Porém, o MP inclui na NF que esse esclarecimento deve ser dado, uma vez que “em princípio, este não era o destino solicitado pela pessoa, esclarecendo possível remoção forçada de pessoas em situação de rua localizadas no território do seu município”.
A preocupação do promotor é que esse novo projeto vai na contramão do projeto Recambio, já implementado em Campinas, e que auxilia, a partir da vontade expressada da pessoa em situação de rua, o desejo de voltar a seu local de origem.
“Sem base normativa para o programa, seja um decreto, uma portaria ou uma lei, a promotoria estará atenta quanto a isso. Recâmbio é um serviço social que já existe há muito tempo. Não é nenhuma novidade. Serve para custear o deslocamento das pessoas que assim o desejarem”, destacou o promotor.
Cidades acusadas negam 
As cidades da região acusadas de terem enviado de forma forçada pessoas em situação de rua para Campinas foram procuradas pelo Portal Porque para comentarem o caso. Todas negaram.
A Prefeitura de Valinhos informou que “dispõe de estrutura para acolhimento e atendimento às pessoas em situação de rua e não transfere responsabilidades”. Conforme a nota enviada, a Secretaria de Assistência Social, quando recebe um pedido espontâneo de passagem para retorno ao convívio familiar, “submete a solicitação à avaliação da equipe técnica competente que, antes, entra em contato com a família para verificar se haverá o acolhimento do ente”. Caso a possibilidade de reinserção social junto à família não seja identificada, disse a nota, a pessoa é encaminhada ao abrigo em Valinhos, “desde que aceite”.
A Prefeitura de Jaguariúna negou que encaminhou pessoas em vulnerabilidade para Campinas e que “segue o protocolo de atendimento às pessoas em situação de rua elaborado pela Câmara Temática de Assistência Social da Região Metropolitana de Campinas (RMC), acordado entre todos os municípios, além do plano nacional de ação e monitoramento da população em situação de rua”.
Hortolândia, por meio da Secretaria de Inclusão, afirmou que o município “possui uma rede completa de assistência social com unidades de acolhimento, passagem, orientação e reinserção das pessoas em situação de rua aos seus lares”.
A Prefeitura de Bragança Paulista também negou dizendo que as acusações “não procedem”. “Todas as pessoas que passam pelo Serviço Social do equipamento do Centro POP são abertas ao prontuário físico de cadastro de atendimento registrando toda a evolução do caso por uma assistente social”, afirmou.
A reportagem não obteve resposta dos municípios de Limeira, Poços de Caldas e Serra Negra. O espaço segue aberto para manifestação e a reportagem será atualizada se o fizerem.
A real situação em Campinas
Em abril deste ano, o Portal Porque Campinas publicou uma reportagem detalhada sobre a situação das pessoas em situação de rua no município.
Conforme um levantamento do Observatório Nacional dos Direitos Humanos, Campinas é a nona cidade do Brasil com o maior número de pessoas nessa situação, com uma concentração, até julho do ano passado, de 2.324 pessoas na rua.
Já segundo o levantamento realizado pela Prefeitura de Campinas em 2021, e último dado da administração local, esse número é bem menor: 932. Este indicador leva em consideração apenas pessoas inscritas no CadÚnico.
Sobre as pessoas contabilizadas nesse dado, sua divisão concentra-se, sobretudo, na zona Leste de Campinas, com 50,72% da população nessas condições. No outro lado da balança, a região Noroeste comporta apenas 3,34%.
Grande parte deste público é formado por homens (81,5%). Mulheres representam 16,2%. Pessoas que se autodeclararam transgênero (homem ou mulher) são 1,4%. Outros gêneros 0,9%.
Em relação à faixa etária, a maioria destas pessoas tem entre 40 e 49 anos (31,4%). O segundo grupo é formado entre 30 e 39 anos (26,4%). Menores de idade e idosos representam 0,8% e 9,1%, respectivamente.
Saiba mais: Com assistência defasada, Campinas vive crise social e vê aumento da população em situação de rua – https://www.portalporque.com.br/campinas/com-assistencia-defasada-campinas-vive-crise-social-e-ve-aumento-da-populacao-em-situacao-de-ruao-em-situacao-de-rua/

 

 

 

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