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Motoboys têm saúde deteriorada por rotina de trabalho, aponta dossiê da Unicamp

Pesquisa realizada em 2023 com 200 trabalhadores motofretistas revelou que a “uberização” é inimiga da saúde de toda a categoria

Da Redação

Foto: Agência Brasil

Um conduzido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelou dados preocupantes sobre a saúde dos motoboys em Campinas. A uberização diminuiu o salário e as proteções legais desta categoria, e é a saúde pública que segue arcando com o custo principal desta condição de trabalho sob demanda.

A pesquisa foi realizada pela Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH) da Unicamp em 2023 com 200 motofretistas do município e apontou que os entregadores têm como principal (ou única) fonte de renda as corridas via aplicativos.

O dossiê revelou ainda que 44% dos entregadores sofrem de pressão alta (pressão arterial aferida superior ou igual a 140/90), 38% dos motoboys tomam menos de 1 litro de água por dia, e 65,7% já sofreram acidentes de trânsito com motocicleta durante o trabalho.

Além disso, 42% dos motociclistas se afastaram de suas atividades pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por acidente de trabalho; 40% trabalham todos os dias da semana; 43% trabalham mais de 60 horas por semana; 50,5% trabalham há mais de quatro anos na função e 23% têm mais de dez anos. A renda média dos trabalhadores “uberizados” é de R$12,50 por hora.

A diretora-executiva da DEDH e uma das autoras do Dossiê das Violações dos Direitos Humanos no Trabalho Uberizado, Silvia Santiago, analisa que é preciso qualificar essa discussão, do ponto de vista da cidadania, e pensar sobre o direito de viver dignamente e prover dignidade para a família, como está posto na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Dos 200 entrevistados, 90% eram do sexo masculino e quase 60%, negros – corroborando com estudos anteriores que já haviam constatado esse abismo racial.

Embora em média mais jovens, os que dependiam dos aplicativos para trabalhar como entregador apresentaram mais questões de saúde preocupantes, com a mesma proporção de medidas de pressão arterial alteradas do grupo geral (com média de idade maior) e menor ingestão de líquidos ao longo do dia.

“Quando as pessoas se uberizam da forma como está posta, suas vidas se degradam mais. Toda a categoria, porém, está submetida à deterioração da saúde. O cenário é trágico”, relata a socióloga Ludmila Abílio, pesquisadora visitante da DEDH e coautora do dossiê.

A socióloga observa ainda que enquanto o Estado se omitir, haverá uma série de danos para o trabalhador e a sociedade. “Nosso objetivo é oferecer instrumentos analíticos para quem quiser entrar na conversa, pois a uberização nos atravessa, pressionando o mercado como um todo.”

O documento recomenda também a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), atualizada frente às mudanças sociais, como base para o reconhecimento da subordinação desses trabalhadores às plataformas digitais.

“Os loucos do asfalto”

“Eu trabalho 12 horas por dia e, dependendo do dia, ainda faço outros bicos”, é o que afirma o motoboy Marcos Henrique dos Santos, de 32 anos, morador da Vila Georgina, em Campinas. O entregador que já sofreu dois acidentes de trânsito, confirma ser exaustiva a rotina de trabalho, mentalmente angustiante, e sem perspectiva positiva alguma para o futuro.

“Tenho dois filhos, minha esposa trabalha em um supermercado, também aos fins de semana. Gostaria de realmente dar uma vida melhor aos três, mas a realidade hoje é trabalhar para não faltar comida em casa”, revela Santos.

Para Higor Assunção de Almeida, 27 anos, morador do Jardim Londres, também em Campinas, e há quatro anos rodando toda a cidade, dia e noite de motocicleta, o dia-a-dia dos motoboys é desafiador, mas ao mesmo tempo desanimador.

Ele que trabalha de manhã e tarde por aplicativo, e à noite faz entrega em uma pizzaria, confessa que sua maior tristeza foi ter parado de estudar muito cedo.

“Ainda no ensino médio, eu precisei trabalhar, ajudar a minha mãe. Terminei anos depois cursando o EJA (Ensino de Jovens e Adultos). Meu sonho era ser advogado, mas a necessidade me jogou até aqui. Não posso dizer que foi só falta de oportunidades, também foi uma escolha, ajudar a minha mãe e comprar minhas coisas”, relata.

Confira o dossiê completo clicando aqui. 

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